O Prémio Nobel da Fisiologia e Medicina 2015 foi atribuído esta segunda-feira a três investigadores por duas descobertas na área da parasitologia. Metade do prémio para William Campbell, investigador na Universidade de Drew (Estados Unidos) e Satoshi Ōmura, investigador no Universidade de Kitasato (Japão), pela descoberta de uma nova terapia contra os parasitas que causam elefantíase e oncocercose (também chamada cegueira do rio). A outra metade para Youyou Tu, pertence à Academia Chinesa de Medicina Tradicional (China), pelas descobertas em novas terapias contra a malária.
Um dos requisitos por Alfred Nobel é que os prémios fossem atribuídos por descobertas que trouxessem os maiores benefícios para a humanidade. E as doenças causadas por parasitas são um dos maiores problemas de saúde a nível global. Em particular, e como refere o comunicado da instituição, as doenças causadas por parasitas afetam sobretudo os países mais carenciados e representam uma grande barreira à melhoria das condições de vida destas pessoas. Os laureados deste ano desenvolveram terapias revolucionárias nesta área.
Jorge Atouguia, especialista em doenças infecciosas e medicina tropical, ficou agradavelmente supreendido com esta distinção, conforme disse ao Observador: “Representa uma forma diferente de observar as doenças e as populações negligenciadas.” Para o médico é uma “mudança radical” para uma organização que costumava privilegiar, na sua opinião, a investigação mais fundamental. Aqui, os laureados conduziram a investigação fundamental, mas o medicamento chegou ao mercado e melhorou as condições de vida e de saúde de milhões de pessoas, salvou muitas vidas.
Valorizar um trabalho que desde há 30 anos tem tido tanta importância para os países mais carenciados é para Jorge Atouguia “uma homenagem com mensagem”, que divide em três pontos chave: as doenças neglicenciadas, os países pobres e os medicamentos de origem natural. Sobre este último ponto acrescenta: “É como se dissessem: ‘Olhem para o que está à vossa volta!'”. Apesar da satisfação com que recebeu a notícia do prémio, o médico fica com duas questões: “Porquê agora, 30 anos depois? Porquê estes dois medicamentos?”.
Partir da medicina tradicional para tratar a malária
Youyou Tu, nascida em 1930, é a décima segunda mulher a receber um prémio Nobel da Medicina e a primeira com naturalidade chinesa. Fruto da sua origem, a investigadora inspirou-se em plantas usadas na medicina tradicional para encontrar os seus princípios ativos. Atualmente os compostos ativos usados são semissintéticos, o que implica que continue a ser necessário plantar grandes campos de artemísia, diz Jorge Atouguia.
A ligação à medicina tradicional chinesa e o facto de ter o artigo original publicado em chinês (em 1981) levantou questões na audiência. Mas os representantes do Comité do Nobel, em Estocolmo, deixaram claro que, primeiro, fizeram uma investigação profunda antes de decidir a quem atribuiriam o prémio. Depois, que não é a medicina tradicional chinesa que está a ser premiada, mas a descoberta feita com base na medicina tradicional analisada aos olhos da ciência moderna com tecnologia de ponta.
Nos anos 1960, os medicamentos contra a malária mais frequentes – cloroquina e quinina – estavam a tornar-se cada vez menos eficazes, o que fez com que a investigadora sentisse necessidade de voltar às plantas da medicina tradicional à procura de respostas. Depois de testar várias plantas em animais com malária, a investigadora chegou à Artemisia annua (artemísia) como a melhor possibilidade, mas ainda assim os dados não eram consistentes.
Foi a consulta de literatura antiga que lhe permitiu perceber como poderia extrair de forma mais eficaz o princípio ativo da planta. Este composto, mais tarde chamado de artemisina, mostrou-se eficaz contra o parasita da malária tanto em animais como em humanos. Os medicamentos baseados neste princípio ativo têm uma grande capacidade de matar os parasitas da malária (Plasmodium) ainda numa fase inicial da infeção.
O parasita é transmitido pela picada de um mosquito, viaja até ao fígado onde se multiplica e depois infeta os glóbulos vermelhos. Os sintomas da malária incluem febre, dor de cabeça e vómitos e aparecem cerca de 10 a 15 dias depois da picada do mosquito. E quando não é tratada pode provocar a morte porque o sangue deixa de irrigar convenientemente os órgãos.
Os medicamentos à base de artemisina, ou do seu uso combinado, continuam a ser a melhor solução contra o parasita da malária, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), mas em algumas partes do mundo – Cambodja, Laos, Birmânia, Tailândia and Vietnam – tem diminuído a rapidez da resposta. Jorge Atouguia crescenta que este medicamento se usa em combinação com outro exatamente para diminuir a probabilidade de o parasita desenvolver resistência.
Todos os anos 3,2 mil milhões de pessoas estão em risco de contrair malária, cerca de 198 milhões de pessoas ficam efetivamente infetadas e uma estimativa de 584 mil acabam por morrer, refere a OMS. O facto de este medicamento ser comercializado a preço reduzido nos países onde a doença é endémica ajuda a garantir que os medicamentos usados têm origem garantida e certificada, em vez de virem do mercado negro, complementa Jorge Atouguia.
Procurar antibióticos no solo
Quando informado de que tinha ganho o prémio, Satoshi Ōmura, nascido em 1935, disse que o aceitava humildemente.
O microbiólogo japonês é especialista em isolar produtos naturais do solo. O seu foco principal foi a bactéria Streptomyces, uma bactéria do solo conhecida por produzir vários agentes com atividade antibibiótica (ou seja, capazes de combaterem outras bactérias). Curiosamente, a descoberta desta bactéria já tinha valido um prémio Nobel da Medicina em 1952 a Selman Waksman – o homem que criou o primeiro antibiótico, a estreptomicina.
A colheita, cultivo em laboratório e estudo aprofundado de várias estirpes desta bactéria permitiu a Satoshi Ōmura encontrar 50 estirpes com potencial. Do outro lado do oceano Pacífico estava William Campbell (nascido em 1930), especialista em biologia de parasitas. O investigador americano adquiriu a culturas do investigador japonês para poder explorar o potencial que tinham e descobriu que uma delas era eficaz no tratamento de animais domésticos. Era uma cultura de Streptomyces avermitilis de onde foi possível isolar a molécula avermictina, que foi mais tarde modificada quimicamente para criar a ivermectina.
Este composto mostrou-se eficaz a matar ovos de parasitas em humanos infetados. O seu uso foi disseminado no tratamento de doenças como a elefantíase (filaríase linfática) e cegueira do rio (oncocercose), de forma global e livre nos países onde as doenças são endémicas, o que permitiu a quase erradicação destas doenças. A ivermectina já se mostrou eficaz no tratamento de doenças causadas por outros parasitas, como estrongiloides ou ectoparasitas (por exemplo, ácaros). Para Jorge Atouguia a vantagem deste fármaco é tratar-se de tratamento de dose única – as equipas no terreno identificam o doente e tratam-no imediatamente sem necessidade de voltar a medicá-lo. A isso acresce que o medicamento é muito pouco tóxico e tem poucos efeitos secundários.
A oncocercose é causada pelo parasita Onchocerca volvulus transmitido pela picadas do inseto Similium (uma espécie de borracho). Os sintomas podem ir de comichão no local e alteração da pele aos problemas com a visão ou mesmo cegueira.
A elefantíase é uma doença tropical, transmitida por mosquitos, muito negligenciada apesar de comprometer física e psicologicamente os doentes, provocando prejuízos significativos em termos financeiros e sociais. A doença é provoca por um de três parasitas da família Filariodidea – Wuchereria bancrofti, responsável por 90% dos casos, Brugia malayi e Brugia timori – que se alojam nos sistema linfático e comprometem o sistema imunitário. A doença pode ser assintomática ou ter manifestações agudas de inflamação a nível local, podendo, nos casos mais graves, provocar um espessamento da pele nas pernas ou uma tumefação dos tecidos (sendo os testículos um dos casos particulares).
[Fonte: Observador]