Os portugueses mais carenciados vão passar a poder levar todos os medicamentos de que necessitam nas farmácias, mesmo que não tenham dinheiro, já a partir do próximo ano, se tudo correr como previsto. Para que esta ideia se torne realidade, vai ser constituída esta quarta-feira, em Coimbra, uma instituição particular de solidariedade social (IPSS) que terá como missão principal a gestão de um programa e um fundo de apoio social, que será alimentado com contribuições de empresas mas também de cidadãos que queiram participar.
“Trata-se de um fundo permanente destinado a comparticipar a aquisição de medicamentos por parte de cidadãos com necessidades económicas, em toda a rede de farmácias”, explica a Associação Nacional de Farmácias (ANF), que é a promotora da ideia, em nota.
Com o nome Dignitude, a nova IPSS tem a ANF e a associação da indústria farmacêutica (Apifarma) como fundadoras, além da Cáritas Portugal e da Plataforma Saúde em Diálogo, organização que reúne várias associações de doentes. Conta ainda com o apoio de vários “embaixadores” de peso, como o ex-ministro dos Assuntos Sociais, António Arnaut, o ex-Presidente da República Ramalho Eanes e a ex-ministra da Saúde e actual candidata à Presidência da República Maria de Belém.
A ANF não quis adiantar mais detalhes, mas este programa de apoio já tinha sido antecipado ao PÚBLICO em Junho, quando se encontrava ainda numa fase embrionária. O objectivo é o de fazer com as pessoas que não conseguem comprar todos os medicamentos de que necessitam por falta de dinheiro tenham um apoio suplementar através de um fundo.
Actualmente, o Estado comparticipa os medicamentos (suportando uma parte do preço) na mesma proporção para todos os cidadãos, independentemente de estes ganharem muito ou pouco dinheiro. O que se pretende com este projecto é ajudar corrigir esta injustiça, enquanto não é revista a forma de comparticipação estatal, como é reclamado tempo, de maneira a que o apoio passe a ser dado em função do rendimento e das doenças dos cidadãos.
“Dói-me o coração quando vou à farmácia e vejo pessoas a perguntar quanto custam os medicamentos. Se [este programa] funcionar bem, isto deixará de acontecer. Isto não é caridade, é solidariedade”, enfatiza António Arnaut, para quem esta é uma “acção que o próprio Estado não está em condições de fazer”. “Seria bom que o Estado social pudesse fazer isto, mas o Estado não pode fazer tudo”, diz.
Este é um projecto de “responsabilidade social, não um sistema de comparticipação nacional, mas sim de acesso para pessoas muito desfavorecidas”, explicou na altura ao PÚBLICO o secretário-geral da ANF, Nuno Flora. Justamente para que não possa ser confundido com uma espécie de “sopa dos pobres” dos medicamentos, os beneficiários terão acesso a estas comparticipações sem serem identificados nas farmácias. Como é que isto vai ser operacionalizado? A ideia é a de que baste apresentar o cartão do cidadão, mas será necessário criar uma base de dados que poderá ser gerida pela Segurança Social que já tem o grupo carenciado identificado (pessoas que recebem o rendimento social de inserção ou o complemento solidário de idosos).
Actualmente, os cidadãos em dificuldades apenas podem recorrer aos bancos farmacêuticos. Sem conseguir precisar quantas pessoas deixam de comprar medicamentos por não terem dinheiro, Nuno Flora adiantava que "cerca de 20 a 25%" das prescrições médicas não são aviadas nas farmácias, por várias razões.
O montante a atribuir de maneira a reduzir ao máximo a parte da factura que não é comparticipada pelo Estado vai depender das contribuições para o fundo. Não só contribuições directas, mas também as resultantes de um processo angariação dirigido a cidadãos, empresas, indústria farmacêutica, instituições de solidariedade e agências governamentais. Os cidadãos podem ajudar com donativos ou através do “sistema de arredonda”, ou seja, arredondando o valor da factura a pagar na farmácia, exemplificou Nuno Flora.
[Fonte: Público]