Dois terços das poupanças em Saúde foram na área do medicamento
1 de fevereiro de 2016

Carlos Maurício Barbosa, que está a terminar o segundo mandato como bastonário, entende que os medicamentos não podem descer mais os preços e que a fileira da farmácia já fez mais sacrifícios pelo país que a maior parte dos outros sectores. Também diz que muitas vezes, existem dramas nas farmácias de que os cidadãos não se apercebem porque as farmácias continuam abertas, apesar de mudarem de proprietários. 

As dívidas do Estado têm impacto nas farmácias? 
É um assunto em que a Associação Nacional de Farmácias que dialoga diretamente com o Estado. A Ordem dos Farmacêuticos acompanha o assunto à distância. Naturalmente que todas as questões com impactos económicos e financeiros nas farmácias refletem-se no exercício profissional e é esse que interessa à Ordem. Durante dois mandatos como bastonário, perspetivei a Ordem como uma extensão do Estado. Temos poderes delegados e as nossas grandes preocupações são a sociedade, os superiores interesses dos cidadãos e a defesa da saúde pública. Naturalmente que, para isso, é necessário que a profissão esteja a ser exercida a um alto nível técnico-científico e também com elevados níveis deontológicos. Por isso, problemas de natureza económica e financeira nas farmácias com reflexo no exercício profissional, constituem uma preocupação. 

A revisão anual dos preços dos medicamentos preocupa-o? 
O Infarmed estima a poupança em 14 milhões. Durante a legislatura anterior, fizeram-se enormes ajustamentos na área da Saúde. Diria até que se tivéssemos tido ajustamentos noutros sectores da economia como os que se verificaram na área da saúde, Portugal estaria hoje em muito melhor situação. A questão é que dois terços das poupanças em Saúde foram feitos na área do medicamento. Entendo que foi exagerado o esforço e, portanto, considero que não deve haver mais margem, nos tempos que correm e nos próximos, para se continuar pelo mesmo caminho. Está encerrado. 

Não deve haver revisões? 
Entendo que se devem fazer revisões anuais, mas não podemos estar, constantemente, a mudar o ‘cocktail’ de países de referência de forma a que resultem preços mais baixos em Portugal. Todos os anos mudam os três países de referência, simplesmente com o objetivo de baixar os preços em Portugal. 

Não concorda com o método? 
Considero que não há mais margem para baixar preços de medicamentos em Portugal. Os efeitos colaterais do esforço que foi imposto à fileira do medicamento são altíssimos. Vemos farmácias com grandes dificuldades económicas – 500 ou 600. Vemos farmácias com fornecimentos suspensos por parte dos fornecedores. Vemos distribuidores, grossistas, com graves dificuldades de sobrevivência. E vemos a indústria farmacêutica, muita dela multinacional, a sair de Portugal e a instalar-se noutros países da Europa. Também vemos exportações de produtos farmacêuticos. Sim. Acho que se deve fazer uma grande homenagem à indústria farmacêutica instalada em Portugal que deu um contributo altíssimo para a promoção das exportações em tempos de crise. Temos grandes exportações na área da saúde e mais de 85% são medicamentos. 

Estão a fechar mais farmácias? 
As farmácias não têm fechado em grande número. O que acontece é que, perante as dificuldades, são vendidas pelo valor da dívida. O cidadão, as mais das vezes, nem se apercebe da mudança. Mas muitas vezes são verdadeiros dramas pessoais, familiares e sociais que estão por detrás. Os cidadãos não se apercebem, porque a farmácia se mantém aberta, embora tenha mudado de propriedade. 

Têm estado a abrir farmácias? 
São hoje mais de 2.900 e, de facto, nos últimos anos abriram umas 20 e poucas farmácias, o que equivale às cerca de 20 que não conseguiram sobreviver. 

Fazem falta mais farmácias no país? 
Portugal tem um rácio de farmácia por habitante que está nos melhores valores europeus. Temos 3.600 habitantes por farmácia. Por isso, não acho que façam falta mais farmácias. Temos uma rede que se distribui homogeneamente em todo o território nacional. É a única entidade que consegue chegar a todos os portugueses. Temos locais onde o centro de saúde, ou a extensão, já fechou, o posto de correios fechou, os advogados ou os médicos deixaram de lá ir. Até o padre já não vive lá, só vai celebrar missa. Mas a farmácia continua e com ela um conjunto de farmacêuticos. Cada farmácia, por lei, deve ter dois farmacêuticos. Na realidade estamos quase a atingir três farmacêuticos por farmácia. Temos à volta de 9.000 técnicos, altamente qualificados, nas farmácias, disponíveis para a população. 

Se houver revisão dos preços, antevê mais ruturas de stocks e mais farmácias a passar por dificuldades? 
Antevejo mais penalização para o sector do medicamento no seu todo. Não só para as farmácias, mas para os três pilares do circuito do medicamento, indústria, distribuição e farmácia. O esforço imposto já foi tão grande, durante os últimos anos, que me parece que não é justo pedir mais esforços à fileira do medicamento. 



[Fonte: Grupo Cooprofar-Medlog]